terça-feira, 5 de agosto de 2025

ARTIGO - Transição, Para a Leiotura em Prosa, De um Quádruplo Quarteto (SN)

 Transição,
para a Leitura em Prosa,
de um Quádruplo quarteto

Prof. Sousa Nunes*

 

QUARTETOS DO SONO

(Vianney Mesquita)

 

Não queiras ser amigo do sono para que a pobreza não te oprima. (BÍBLIA. Provérbios, 20,13.)

 


 

Senil sono soez, razão pretexta [ê],
Vetusta sorna cujo uso apresta
Segunda e terça e quarta e quinta e sexta,
Em cama, rede ou estrado bate a sesta.
 
No sabatino, ainda, o quase autista,
Desidioso e tardo, se contrasta
No concernente ao abstencionista
Averso ao tempo que aqueloutro gasta.
 
No domingo, inclusive, não malgasta -
Conquanto a aleia camarada insista -
O tempo em modorras dessa casta,
A fim de ignavos se omitir da lista.
 
Tranquila ideação a estória ilustra
Pois bom emprego temporal se exorta
E ao preguiçoso renitente frustra
Por não querer adentrar esta porta.

 

Análise Crítica de Quartetos do Sono 

Introdução 

A descodificação do conjunto rimado Quartetos do Sono constitui um exercício de reflexão moral e estética, inspirado na advertência bíblica contida em Provérbios 20:13: “Não queiras ser amigo do sono para que a pobreza não te oprima”. A conjunção decassílaba portuguesa, aqui em 16 pés, denuncia a preguiça e a negligência como inimigas do bom emprego do tempo, utilizando uma linguagem densa, carregada de sonoridade e ritmo. 

O escrito perfaz uma aula de artesania poética, onde aliterações, polissíndetos e variações vocálicas (a, e, i, o, u) são empregados com intencionalidade, produzindo um jogo sonoro que reforça o sentido do poema. 

Título e Tema

O título, Quartetos do Sono, evidencia o foco da versificação: crítica à preguiça e ao desperdício do tempo, que se manifesta como uma “sorna” (indolência) ou um “sono senil”. A palavra quartetos é insinuante, pois, sobre indicar a estrutura métrica das quatro estrofes, sugestiona a repetição cíclica da preguiça, que parece se perpetuar ao extenso da semana (“segunda e terça e quarta e quinta e sexta”). 

A matéria fulcral é a aplicação sábia do tempo, contraposto ao vício da modorra e ao desleixo, que impedem a produtividade e a energia da vida. 

Linguagem e Estilo 

O poema do árcade novo Jovem Khrónos, imortal da Arcádia Nova Palmaciana, Academia Cearense de Literatura e Jornalismo e da Academia Cearense da Língua Portuguesa exibe um vocabulário erudito e pouco frequente – “sorna”, “ignavos”, “modorras”, “aleia” – exigindo do leitor uma atenção que ultrapassa a leitura superficial. 

Há um trabalho consciente com os sons e a musicalidade, explorando as vogais e suas aberturas. No primeiro quarteto, por exemplo, a alternância do “e” aberto e fechado em “pretexta” e “apresta” confere um jogo fonético de grande sofisticação. Nos versos seguintes, o poeta distribui outras vogais dominantes: o “i” aparece em “autista”, “lista” e “abstencionista”; o “o” em “exorta” e “porta”; e o “u” em “ilustra” e “frustra”. Esse trabalho vocálico reforça a unidade sonora e rítmica do complexo poético. 

Figuras e Tropos de Linguagem 

Aliteração. O primeiro verso – “Senil sono soez, razão pretexta” – já inicia com uma vigorosa aliteração em s, evocando o som da sibilância e sugerindo uma atmosfera preguiçosa, de desatenção. 

Polissíndeto. “Segunda e terça e quarta e quinta e sexta” é um exemplo claro, com a repetição do “e” reforçando a sensação de monotonia e de tempo arrastado. 

Metáfora. O sono é descrito como “senil” e “soez”, características humanas projetadas sobre o conceito de preguiça, como se esta fosse uma entidade degenerada. 

Personificação. A “aleia camarada” que “insiste” representa o ambiente externo (talvez o convite ao lazer), personificado como um agente ativo que tenta desviar o preguiçoso do bom uso do tempo. 

Antítese. A oposição entre o “bom emprego temporal” e a “modorra dessa casta” reforça o caráter moralizante da mensagem. 

Estrutura Argumentativa 

Primeiro quarteto. O escritor de Palmácia-CE inicia com uma caracterização crítica do sono como algo vil, “senil” e “soez”, que se prolonga durante toda a semana, ilustrada pelo polissíndeto (“segunda e terça e quarta e quinta e sexta”). 

Segundo quarteto. Aqui, há um contraste entre o preguiçoso (“quase autista”) e o indivíduo ativo, “abstencionista” no sentido de evitar o desperdício de tempo. 

Terceiro quarteto. No sábado e domingo, mesmo diante do convite do lazer (“aleia camarada”), quem valoriza o tempo não o “malgasta” em modorras, preferindo empregá-lo de maneira produtiva. 

Quarto quarteto. O poema encerra-se com um ensinamento moral, exaltando a “tranquila ideação” e o “bom emprego temporal” como modos de evitar a pobreza, retomando a advertência bíblica. 

Tonalidade Crítica e Filosófica 

O tom é de advertência e reprovação, mas também de exortação ao trabalho e ao uso responsável do tempo. A junção poemática sob comento mistura uma reflexão filosófica sobre a preguiça com um artesanato verbal de altíssimo nível, que transforma a crítica moral em poesia sonora. 

Conclusão 

Quartetos do Sono reúne 16 pés de rara riqueza sonora e lexical, que alia a tradição moral (inspirada na Bíblia) a uma técnica poética refinada, marcada por aliterações, polissíndetos e um jogo de vogais meticulosamente calculado. O texto convida o leitor a uma dupla reflexão: acerca do valor do tempo e relativamente ao poder da linguagem cuidadosamente trabalhada. 

A advertência bíblica funde-se à estética poética, fazendo do soneto não um mero exercício de moralidade, mas também um exemplo de como o formato (ritmo, som, estrutura) é suscetível de reforçar a mensagem.

 

CRÔNICA - Alienígenas em Casa (TL)


 

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

ARTIGO - Dois Sonetos de Vianney Mesquita Transpostos para a Língua Portuguesa (SN)

 Dois Sonetos
de Vianney Mesquita
Transpostos para
a Língua Prosa
Sousa Nunes*

  

1 PLURAL EXCÊNTRICO

 

"O erro exige perdão; castigo, o crime".

 

(Manuel Maria Barbosa de Bocage, poeta neoclássico – arcadismo-português. Setúbal, 15.09.1765; Lisboa, 21.12.1805)

  

A nós nos assemelham esquisitos
Embora tachem-nos de radicais,
Desde a portuga regra alguns plurais
Desconformam-se, contudo, expeditos.
 
Os ares-condicionados, ditos
Imperativamente, são assaz
Via alterosas normas, mui reais,
Bem liberalizados de interditos.
 
Da balaustrada, entanto, os corrimões,
Deviam ser apenas corrimãos:
Incongruentes às mãos de Camões.
Malgrado nossas meras ilusões,
Linguais defesos postos nos desvãos.
São motos, pois, de penas e perdões.



ACIONE O LINK ABAIXO
PARA ACESSAR A ÍNTEGRA DO ARTIGO


https://drive.google.com/file/d/1Bu0rUYQyF4a7

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

CRÔNICA - O Dedo do Meio (RV)

O DEDO DO MEIO
Reginaldo Vasconcelos*

 

O Ministro do STF Alexandre de Moraes foi vaiado em estádio de São Paulo, neste dia 30 de julho, onde fora assistir a uma partida de futebol – logo após ser sancionado com as tenazes morais da lei Magnitsky, pelo Governo Norte-Americano.

O Magistrado reagiu agressivamente aos apupos de repúdio, com o gesto clássico da exibição ostensiva do dedo médio da sua mão na direção dos desafetos, atitude que a imprensa nacional tem narrado como “exibição do dedo do meio”, como se não soubesse exatamente o que isso simboliza. 

Os redatores sudestinos fogem da designação “dedada”, que por lá é popularmente aplicada a esse repelo gestual, enquanto no Nordeste se diria “cotoco”, verbete do dicionário da ACLJ “Dialeto Cearense”, o léxico que colige e disseca – gramática, semântica e etimologicamente o jargão estadual. 

Exibir o dedo médio, simbolizando o pênis humano, mantendo flexionados os vizinhos indicador e anular, para simular os dois testículos, é gesto que remonta aos tempos da Roma Antiga, quando então utilizado pelas prostitutas para convidar os potenciais clientes a contratarem os seus serviços. 

Modernamente, em todo o mundo, o dedo do meio em riste – mesmo sem os acessórios digitais vizinhos que completariam a configuração do órgão genital – inverteu o sentido, já que passou ao significado simbiótico do macho ativo e viril, desmoralizando grosseiramente eventual adversário. 

Toda sorte, o uso desse gesto obsceno, tanto pelas profissionais do sexo na antiguidade romana, quanto entre os nossos coetâneos da modernidade, sempre foi característico do submundo social  de tudo que é nego torto, do mangue e do cais do porto, e de quem não tem mais nada. (...) E dos detentos, das loucas, dos lazarentos, dos moleques do internato” – parafraseando Chico Buarque, em “Geni e o Zepelim”.


domingo, 27 de julho de 2025

SONETO - Essência Compartida (VM)

 ESSÊNCIA COMPARTIDA
Vianney Mesquita*


 


(Para o amigo comum – Prof. Dr. Arnaldo Santos)

 

"A sombra do amigo de Deus em tempo algum está isenta de LUZ. Entrementes, o LUME do inimigo jamais remansa forro da intensa penumbra"

(Francisco Gómez de QUEVEDO y VILLEGAS, poeta e escritor satírico espanhol. Madrid, 14.09.1580; Vila Nova dos Infantes, 08.09.1645).


 



Ao surdimento de estremes fenômenos,
Ruborizado por ortivos sóis,
O Escritor ensaia os prolegômenos
Ao nume dos diáfanos faróis.
 
Relata a existência em si-bemóis
Em exemplares plenilúnios nômenos
Do róseo, rocicler dos arrebóis,
Conforme escriturais paralipômenos.
 
Com efeito, o Esteta, em tons singelos
Ao reunir os divinais anelos
Atrai compartes para sua história.
 
Não se lhe impôs, solito, a trajetória,
Porquanto, assim, não obtinha a glória
De Reginaldo Ayrton Vasconcelos.



sexta-feira, 25 de julho de 2025

CONGRATULAÇÃO - Dia Nacional do Escritor (SN)

 Dia Nacional do Escritor
Sousa Nunes*

 

Neste 25 de julho, quando se celebra o Dia Nacional do Escritor, a Academia Cearense da Língua Portuguesa rende homenagem a todos que, com a pena, o teclado ou o silêncio maduro das ideias, constroem a eternidade das palavras — sejam escritores ou escritoras, autores ou autoras, de obras de ficção ou de não ficção. 

Fonte: Wikipedia

Escrever, como nos recorda Drummond, não é apenas uma maneira especial de ver o mundo, mas a incapacidade de vê-lo de outro modo.

 


Fonte: Wikipedia

É, como diria Josué Montello, “um ofício que se exerce na solidão, mas cujo destino é a multidão”. Cada escritor é um artesão de abismos e claridades, transformando o cotidiano em obra de permanência, a dor em beleza e o instante em memória viva. 

A todos aqueles que carregam este dom e esta condenação — porque escrever é, ao mesmo tempo, graça e necessidade — o nosso tributo e gratidão. Que continuem a olhar o mundo, não como ele se apresenta, mas como ele se revela, por meio da palavra, que transcende o tempo e liberta o espírito. 

Feliz Dia Nacional do Escritor! 

Academia Cearense da Língua Portuguesa

 

quinta-feira, 24 de julho de 2025

RESENHA LITERÁRIA - Arrebóis e Plenilúnios (VM)

 

CLARÍSSIMA LUA LITERÁRIA 

E HISTÓRICA,
DE 
REGINALDO VASCONCELOS

 Vianney Mesquita*

 


Seu “Arrebóis e Plenilúnios” é uma obra que jamais poderia esquecer os circunstantes dos seus 25 mil dias. Como teria vivido sozinho? É admirável a decisão de jungir sua vida a situações e pessoas, tanto da família, quanto dos demais – pessoas e circunstâncias.
 
Fora de qualquer propósito está o conjunto de senões que recebe por não haver particularizado a contagem da sua História, que não é estória (nem “contação”, “palavra” que não existe), deixando de lado as ocorrências vinculadas a sua vida plena e exemplar. 

Louvo a relação dos assuntos, com o devido tempo de ocorrência, a lógica temática à medida temporal, e a expressão do EU ACOMPANHADO, não do “ad me solum”, situação absolutamente impossível!

Em adição, o CONTINENTE  lindíssimo – papel, capa, orelhas, prefácio etc – o qual, juntado ao CONTEÚDO insuperável, fica a anos-luz do que se conhece como “sepulcro caiado” – “praebuit sepulcrum”, expresso na Bíblia Sagrada por Jesus Cristo, em Mateus 23:27, ao comparar fariseus com escribas. 

É realmente excepcional. 

Não tenho um senão, um quando não sequer. 

NOTE MAXIMALE AVEC MENTION! 

NOTA LITERÁRIA - Prof. Dr. Valdester - Cidadão Cearense

 PROF. DR. VALDESTER
CIDADÃO CEARENSE 

Não há princípio de Filosofia ou de religião que não seja capaz de ser santa ou celeradamente aplicado. Tudo depende do coração. 

[Ugo (Nicolo) FÓSCOLO, literato, revolucionário e poeta heleno-italiano. Zacinto, 06.02.1778; Londres, 10.09.1827).

 

ALEC ENTREGA TÍTULO DE CIDADÃO CEARENSE AO CIRURGIÃO CARDIOVASCULAR INFANTIL, DR. VALDESTER CAVALCANTE PINTO JÚNIOR.

 

Por moção justíssima dos parlamentares estaduais Guilherme Sampaio e Leonardo Pinheiro, a Assembleia Legislativa do Ceará entrega, em sessão solene, no dia 14 de agosto próximo, o título de Cidadão Cearense ao Prof. Dr. Valdester Cavalcante Pinto Jr., alagoano de Palmeira dos Índios, diplomado Médico pela Universidade Federal de Alagoas. A solenidade vai ocorrer no Plenário 13 de Maio, às 17 horas. 

Chegado a Fortaleza, nos primeiros anos de 1990, o Dr. Valdester, cirurgião cardiovascular, notadamente na seara infantil, é o dirigente do Incor – Instituto do Coração da Criança e do Adolescente (Incor-Criança), aqui em Fortaleza. 

Graduou-se em Medicina pela Universidade Federal de Alagoas (1987), cumpriu programa de Residência Médica no Hospital do Coração-São Paulo, feito componente da equipe do Prof. Dr. Adib Jatene. 

É especialista em Cirurgia Cardiovascular, detendo, ainda, diploma de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas – UFC e de MBA – Mestrado em Administração de Negócios (Gestão em Saúde) pela Fundação Getúlio Vargas, e conquistou o título de Doutor em Biotecnologia - UECE/RENORBIO. 

Exerce a função de Diretor Técnico do mencionado Incor-Criança Cirurgião, faz cirurgias cardiovasculares na Universidade Federal do Ceará e cardiovasculares pediátricas no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. Sua experiência na área de Medicina envolve atuação, principalmente, nos seguintes temas: cirurgia cardiovascular pediátrica, cardiologia pediátrica, cardiopatias congênitas/cirurgia e procedimentos afins, políticas públicas e gestão em saúde. 

Após a celebração, será lançado o livro Entre Fios e Nós, de sua autoria, envolvendo matérias relativas ao seu labor científico, particular e de seus colegas facultativos do Ceará, desde os anos de 1990. 

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Alagoas (1987); Mestre em Avaliação de Políticas Públicas  UFC; MBA em Gestão em Saúde  FGV; Doutor em Biotecnologia  UECE/RENORBIO; Diretor Técnico do Instituto do Coração da Criança e do Adolescente; Cirurgião cardiovascular da Universidade Federal do Ceará e cardiovascular pediátrico do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. Tem experiência na área de Medicina, atuando principalmente nos seguintes temas: cirurgia cardiovascular pediátrica, cardiologia pediátrica, cardiopatias congênitas/cirurgia e procedimentos afins, políticas públicas e gestão em saúde. 

A fim de ressaltar a expressão incessante do seu trabalho científico, literário e acadêmico, conforme o são os ensaios sustentados na conquista de todos os seus títulos acadêmicos, o Prof. Dr. Valdester Cavalcante Pinto Junior, já tem pronto – hoje sob editoração final, seu novo livro (solo) intitulado CONATUS – Até Onde a Vida Pede Luta, no âmbito da mesma temática, porém sob distintos teores, o qual vai ser posto à disposição dos leitores dentro em pouco tempo.

 


segunda-feira, 21 de julho de 2025

CRÔNICA - Da Poesia e da Loucura (RV)

DA POESIA E 
DA LOUCURA
Reginaldo Vasconcelos* 

 

Às vezes eu ponho em dúvida íntima a minha sanidade cerebrina, e cogito conceder a mim mesmo um atestado de loucura – e aqui me consulto sobre se os psiquiatras, a quem cabe fazê-lo a terceiros, também não lhes ocorreria, eventualmente, diagnosticarem-se a si próprios sobre algum laivo de sandice. 

Por exemplo, acabo de editar o meu livro de memórias, em prosa poética, e a primeira impressão dos leitores mais chegados a mim é de que a obra dissente do normal, que não segue a fórmula ortodoxa das biografias em geral. “A tua é diferente... como tudo que tu fazes” – diz-me um deles. 

De fato, no meu relato, dou destaque às criaturas mais nobres que bordejaram a minha vida e que enfeitam a minha história, que não são, necessariamente, destacados e notórios personagens, dotados de grande importância social, mas, não raro, pessoas dentre os simples do povo, ricas daquela essência humana que a morte sublima, mas que o bronze das estátuas não conserva.

Fonte: Wikipédia

Aí eu me lembro da revelação de um amigo de infância do prodigioso compositor pernambucano Alceu Valença. Segundo aquele, este último, ainda mal saído da adolescência lhe apresentou as primeiras canções que produziu – de tão bela e exótica inspiração, e fornidas com letras de tão inusitada força lírica, que o jovem artista teria reiterado do seu confidente uma sincera opinião: “Tu achas que eu sou doido? Tu achas que eu sou doido?”. 

No meu caso, modestamente, não encontro em algum grau de genialidade artística a minha específica loucura, mas, pelo contrário, identifico-a na tendência de me enlevar com as pessoas e as coisas mais singelas da existência, como acima referi e em seguida especifico. 

As ervas incultas que medram entre as pedras das calçadas e no canto das paredes em qualquer ponto da Terra, assim como nas ruinas do Coliseu e de Pompeia e alhures além, meneando o caules frágeis na brisa, sob o sol meigo da manhã, me enternecem muito mais do que me deslumbram os suntuosos jardins bem amanhados mundo a fora.

O mármore domesticado e bem polido que brilha no piso dos palácios, por seu turno, não me diz tanto quanto o rude pavimento asfáltico que perfura imensidões, assoalhando a rota de aligeirados viandantes, conduzindo assim tantas almas e tantos corações ao seu destino de lonjura e de saudade. 

E as paisagens rústicas de árvores vagabundas e de pedras toscas e de aguadas infelizes, e de vivendas em que se nasce, vive e morre, que margeiam as rodovias pelas quais flano mansamente quando em vez – cenas que fogem aceleradas das minhas vistas rumo ao passado imediato, tudo isso é para mim uma rica experiência de vivência e de mistério, muito mais emocionante e realista do que a aventura de varar continentes e oceanos entre nuvens, através de amortalhados “deslugares”. 

Enfim, assim como as rosas de Cartola não falam, muito menos deblatera a pedra no caminho de Drummond, todavia, a mim e a ele um seixo casual que se interponha numa vereda da vida pode dizer muito no seu ontológico silêncio, quem sabe, no meu caso, ditando-me também um poema que escuto nos esconsos de mim mesmo e nem escrevo.

 

Fonte: Gazeta do Povo

A propósito, a poetisa Adélia Prado constata em lindo versejar retórico que, frequentemente, a plena sanidade mundana lhe vem cegar o espírito lúcido das suas musas: “Às vezes Deus me tira a poesia; eu olho pedra, e vejo pedra mesmo”.